Cúmplices e culpados

Ontem fui a um jantar aqui na minha cidade, onde praticamente todos se conheciam, amigos de infância. Percebi o quão saudosistas estavam ao relembrar da adolescência, festas e até dos seus próprios casamentos. E eu, que faço parte de uma geração diferente, conhecendo-os há pouco tempo, coloquei-me como espectadora a admirar e a sorrir — Esse cenário me remeteu às minhas amizades e foi inevitável o resgate das memórias.

Os nossos amigos já viram a gente jovem e cheio de planos, e agora veem a gente comparando exames de colesterol e discutindo qual marca de travesseiro é melhor pra coluna. Já estiveram nas festas de madrugada, e agora estão nos almoços e encontros que terminam às 17h, porque às 21h já é hora de colocar o pijama.

Eles podem olhar pra você e dizer: “Lembra quando a gente passava a noite juntos, dividindo bebidinhas, dancinhas e risadas? Hoje a gente toma dois copos de vinho e já está ‘googlando’ como evitar refluxo e dividindo um antiácido.”

Os amigos de meia-idade são especiais. Eles já viram a gente com cabelo, sem cabelo, pintando cabelo, e por último tentando esconder que pinta o cabelo. Já acompanharam fases boas, ruins e também aqueles planejamentos para uma vida mais saudável e longínqua — aqueles em que a gente jurava que ia começar a regular a alimentação e ir pra academia na segunda-feira (e estamos nessa segunda até hoje).

E o mais bonito? É que os amigos de verdade, esses ficam. Podem ir, mas voltam. Superam as crises da gente e com a gente. E com o passar do tempo, quando o corpo muda, os assuntos mudam, as prioridades mudam… eles ficam. Eles ainda sabem quando você precisa de um ombro, e quando você precisa de um empurrão — só ao escutar a nossa voz. Procuram entender até se o nosso silêncio é solitude ou solidão.

Eles são os primeiros a mandar mensagem quando você some, e os últimos a ir embora da sua casa depois de um jantar — E não importa se a conversa começa com as dores da semana, custo de vida ou gafes cometidas, ela sempre termina com gargalhadas e histórias que já foram contadas mil vezes, mas continuam engraçadas. Tenho uma amiga que conta suas proezas, relacionadas aos perrengues de ter que visitar um banheiro, a qualquer hora e momento, quando está de dieta — e sempre proporciona momentos de diversão, únicos, a cada relato. Mesmo porque ela está sempre de dieta.

O mais bonito é que, com o tempo, a amizade deixa de ser só companhia nas horas boas e festas e vira abrigo nas tempestades. É alguém que sabe a sua história inteira e mesmo assim não desistiu de você. Segura na mão da gente, mesmo de longe, nos momentos ruins. E quando nos encontramos, a mesma mão brinda por qualquer conquista ou simplesmente só por estarmos juntos. Porque, no fundo, a gente entende: amigos são a família que o tempo nos permitiu escolher. E, nessa altura da vida, eles não estão apenas no nosso álbum de fotos… estão no álbum do coração. E amizade de meia-idade é tipo vinho, só melhora com o tempo. E esse que é implacável, impagável, traz reflexões tipo: “Meu Deus, a gente sobreviveu... a nós mesmos”.

O tempo passa, mas o afeto não envelhece. E se a memória começar a falhar a gente cria o vínculo de novo, cria novas histórias de novo, como estes mesmos amigos e com novos também, até esquecermos de lembrar quem um dia fomos. Por hora, que possamos aproveitar, intensamente, cada minuto com esse patrimônio pessoal não declarado, mais valioso que qualquer bem financeiro, que são as nossas famílias, a que nascemos e construímos e a que escolhemos — nossos amigos, nossos cúmplices e culpados por nossa vida ser melhor.